26.5.20

Mapas, Viagens.


23 de Maio | Faz a viagem. | Escrever inspirados em mapas e viagens.



1.ª viagem: Pasárgada 



Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo de um poeta
Lá tenho a minha verdadeira casa
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui deixo pouco
Lá tenho quase muito
Lá farei quase tudo
Lá provarei o sabor das laranjas azuis
Ouvirei o canto dos pássaros
E lá morrerei um dia
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada há de tudo quase nada
É outra civilização
Há uma árvore com uma sombra fraca
Lá sou o que não posso ser aqui
E tenho a sombra da árvore que quero
Vou-me embora pra Pasárgada
    Francisco Feio


Vou-me embora para Pasárgada 


Lá sou amiga de um velho monge
Lá tenho um Deus à minha espera

Vou-me embora para Pasárgada
Aqui estou condenada ao desterro
Lá tenho horizontes sem fim

Lá farei a juventude regressar
Lá provarei os vinhos mais doces
Ouvirei as músicas mais sublimes
E lá cantarei a canção do infinito

Vou-me embora para Pasárgada
Em Pasárgada há esperança e sonho
É outra civilização
Há rios e mares por descobrir
Lá sou livre
E tenho tudo o que quero
Vou-me embora para Pasárgada
     Helena Campos



Vou-me embora para Pasárgada.
Lá sou amigo dum pássaro,
Lá tenho tempo e liberdade.

Vou-me embora para Pasárgada.
Aqui sou o que querem que eu seja,
Lá sou eu, só eu, eu só.

Lá farei tudo ou não farei nada,
Lá provarei a doçura de apenas ser,
Ouvirei o chamamento da liberdade
e lá encontrar-me-ei.

Vou-me embora para Pasárgada.
Em Pasárgada há tudo o que eu quiser que haja,
É outra civilização.
Há tempo e silêncio e liberdade.
Lá sou a liberdade
E tenho todas as prisões que quero.
Vou-me embora para Pasárgada.
       Paula Carvalho



Vou-Me embora p'ra Pasárgada, pois sei que lá Nos aguardam.
Lá e em todo o lado sou sempre amiga dos meus amigos. Tu e Eu.

Lá...Tenho as pedras dos caminhos das nossas felicidades colecionadas.
Vou- ME EMBORA para PasÁrgada, poisa aqui, já. Eu não estou.
Lá.
Só, sei que me voou a bicicleta que me passeava.
Lá, sei também que existem pisa-PAPÉIS voadores,
Então, e já lá, provarei acerca do tal chá da Laranjeira de amarguras, para sonhar.

Ouvirei, então com atenção e acordar acerca das liberdades, e lá Só.
À partida de nós os dois reencontrados abraçados, amando, qual o sempre.
Vou-me embora para Pasárgada pois vou.
Em Pasárgada, há lá de. tudo.... Notas de vento e água... Um tão sei lá de tanto...É outra Civilização...consomem e tão livremente se descobrem, e claro, a Justa conquistada.
Há também por lá muita passarada. Eu sei.
E tenho lá os filhotes que quero.

Vou-me embora para Pasárgada, lá em chegando o Janeiro     
           L@dyBirdBeL







2.ª viagem: perdidos num mapa

Cerveira

O cervo erguia-se na altura do monte sobranceiro à fronteira entre Portugal e Espanha.
O rio Minho espraiava-se lá em baixo no silêncio da manhã.
Via daqui a ilha dos amores como um pontinho repousado no rio.
Ouvia o chilrear alegre dos pássaros matinais e sentia a rugosidade da pedra granítica sob as
minhas mãos.
A caruma dos pinheiros em volta invadia-me as narinas antecipando o sabor do mel, com travo
de pinhões que me esperava lá em baixo.
E este era um perfeito momento.
        Helena Campos


Rubiães

O sol iluminava crua e despudoradamente as casas do povoado, a rua principal que as separava, as árvores e os campos verdes. Em cada casa buscava o albergue, o destino ansiado daquela primeira etapa de subida pelo inferno da Serra da Labruja, e tão ansiado era o destino que o meu cérebro traduzia «albergue» por «pousada de cinco estrelas». Chegámos, por fim, ao albergue, antiga escola primária, estrategicamente localizada no alto com vista sobre o vale. Muitas pernas, botas, bastões e mochilas espalhadas a que as nossas foram fazer companhia enquanto esperávamos o check in. Cheirávamos a pó, a suor e a cansaço acumulado. O primeiro de sete dias estava cumprido.
    Paula Carvalho



Viagem

Saí da variante à N202 em direção ao Prado pela estrada mais sinuosa que conheço. Como o percurso é muito íngreme, sentimos a temperatura a subir em cada curva virada a poente para depois voltar a descer nas curvas viradas a norte. Uma das vantagens de viajar de moto é estarmos expostos aos elementos e é mais fácil ir identificando os cheiros e sentir a temperatura do ar a bater na cara quando viajamos com a frente do capacete levantada. O verde, nesta zona, tem um cheiro particular, muito fresco, tal a humidade que se concentra nestas estradas que atravessam zonas densas de floresta. Até o alcatrão cheira a musgo. Depois da última curva surge o Prado e, viajando de dia, é como se de repente estivéssemos a viajar noutro mundo, banhado de luz e com uma extensão a perder de vista. O calor liberta o cheiro do rosmaninho que preencha a atmosfera até chegarmos ao café do senhor Costa, que fica mesmo a meio caminho, do lado direito da estrada que atravessa o Prado, no sentido de quem vem da variante. E o Prado é isto. Esta imensidão de rosmaninho pontuada pela construção simples e tosca do senhor Costa. Não se lhe conhece mais nada. Acho que nunca ninguém chegou lá de noite. Nunca encontrariam nem o rosmaninho nem o senhor Costa.
   Francisco Feio


Lá, em raposa de Cima,
senti a matreirice.
nos milheirais, senti tanta agonia nauseabunda, que quase esturriquei
na minha própria fúria.
E se me não contivesse tinha mesmo disparado
P´la minha metralhadora afora.
Um animal pequeno, mas mesmo parvalhão,
andava aos encontrões
de donde vinha o cheiro da minha Padeirinha laborando,
Ela já é um robot, e afinal tem cheiro
Estou gulosa da manteiga, do pão, do café...

depois distraí-me e espreitei a janela
lá estava ela
a cegonha no telhado à chaminé daquela Igreja.

Ao telhado e de meia encarnada lá vai ela
buscar bocados, sustentos abençoados.

L@dyBirdBeL




3.ª Viagem: um objecto que veio de longe


A colher de bétula
Encontrei-a por acaso num mercado de rua em Saaremaa, uma ilha no meio do Báltico. Terá vindo muito provavelmente da Lapónia onde a madeira de bétula é comum no fabrico ancestral destes objetos. Apesar dos anos ainda mantém o cheiro característico desta madeira. É como se segurássemos a memória da floresta na nossa mão.  Não sei como chegou à ilha, mas sei como saiu, de barco, a atravessar o Báltico até ao continente. Em Tallinn andou na mochila e serviu de objeto perfumante que como colher. Viajou por vários aeroportos até chegar a lisboa e em vez de ir acumulando os cheiros e sabores das outras terras por onde passou, preferiu guardar a sua origem e, talvez por isso, quando a cheiramos, somos transportados lá longe, aos lugares onde nasceu. A minha colher não é uma colher, mas um objeto dos sentidos. A sua função principal é levar-nos sempre lá independentemente do sítio onde a mergulhamos. Tem mais de 20 anos. Se fosse hoje, provavelmente nada disto seria verdadeiro e teria nascido numa fábrica qualquer do oriente, sem memória, onde a mão de obra é barata. Mas nesta, ao tocar-lhe, ainda sentimos as mãos que lhe deram forma e a floresta longínqua de onde saiu para acabar, por agora, junto a um outro mar, do outro lado da Europa.
   Francisco Feio

A concha
Apontei a concha na loja galega sem pronunciar uma palavra.
Todo o castelhano aprendido no Instituto Cervantes desapareceu, naquele momento, do meu
cérebro.
Pediram um valor e eu estendi uma nota. Felizmente, a moeda já era a mesma.
Levei a concha para o mísero hotel em Tuy onde estava instalada.
Havia aranhas nas paredes e pescada rasca no prato servido após 7 horas de jejum. Os
Espanhóis só podiam ser loucos. Tomar o pequeno-almoço às 7 da manhã e almoçar às 4 da
tarde com o estômago a roncar de negra fome.
Foi tão má a experiência que atravessei a fronteira para Portugal como quem regressa aos
braços ansiados de sua mãe.
Pendurei a concha na parede da minha casa como única recordação daquela terra.
A concha não viera das Rias baixas da Galiza mas fora importada de Israel, recolhida num
grande mercado de artefactos religiosos, tinha sido vendida por um pescador dos mares da
Galileia, exactamente no local onde há 2000 anos o próprio Cristo tinha sido baptizado.
E este tesouro bíblico repousava na parede da minha casa, sem que eu dele tivesse tido
conhecimento.
   Helena Campos


A taça de esmalte verde – dita emaillé
Estava-se no fim do Verão de 1985, o Verão do Live Aid em que a Aids, pela mão de Rock Hudson, saiu do armário. Marrocos era um destino de sonho, mitificado por Casablanca e nem tanto por Sebastian, personagem sórdida de Brideshead, que aí se exilara, morrera e sepultara.

Havia nos cafés uma juventude culta e letrada, sedenta de liberdade, que era tudo o que lá não se vivia - na fronteira de entrada a bagagem foi metodicamente escrutinada e o Expresso, que, como todos os jornais, era material subversivo, logo ficou confiscado. Já as ruelas dos kasbah pareciam ter cristalizado cinquenta ou mais anos antes.

Foi em Tânger que me compraram, custei em dinares o equivalente a alguns contos de réis, recordação de viagem destinada à mãe de quem me comprou. Embrulhado em papel de seda por baixo de papel de embrulho, fui para o fundo duma mala que se guardou na mala do Citröen BX –modelo que nesse ano ganhou celebridade devido a uma certa rodagem feita por um certo não político com destino a um certo congresso que ficou para a história - pois 1985 foi também o ano em que emergiu Cavaco. Regressei tranquilo, não houve controlo à saída, tão pouco na fronteira de entrada, feita ainda por barco de Ayamonte para Vila Real de Santo António –o cavaquismo estava por vir e a ponte sobre o Guadiana também.

No dia do regresso viajei para Portimão, onde fiquei alguns dias, e depois para o Porto, sempre num fundo de mala. Estive anos na mesa de vidro da sala de visitas da casa dos pais de quem me comprou, visitas não as vi porque ficavam sempre noutra sala, à entrada. Depois vim para Lisboa, onde já habitei duas casas, e agora estou na cozinha, em cima dum armário branco, porque a consultora de Feng Shui disse que a cozinha precisava de verde.
   Paula Carvalho



Castanho Ansião 

Vejo o gato
Vejo um prato vazio
Vejo um cantil com. Mel
Vejo a rua duma grande árvore

Toco o sono do meu gato
Sinto-me em presente companhia
Lambo a minha boca adocicada da sede
Sinto-me refeita da madrugada já tão ida, e hoje ainda

Oiço os pássaros felizes
Entre eles finalmente conversam
Oiço os assobios de todos nós, já também
Os assobiamos, oiço tudo e antigamente nada.

Cheiro da minha canela saboreio os quadradinhos na marmelada.

L@dyBirdBeL

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