Sessão 7 Dezembro: Um texto no sapatinho - Histórias com espírito de Natal
Um
José era um poeta que esperava desesperadamente a sua musa
numa noite de Natal.
Olhava para as crianças mas a musa não vinha com elas
Olhava para as estrelas mas as estrelas não brilhavam para
ele
Olhava para um peru inútil a tostar no forno velho e umas
couves duras e secas
Olhava para um pinheiro frondoso de onde pendiam bolas
coloridas e farrapos de neve inutilmente
Invejava o calor humano que derretia aquele Inverno pesado
de águas
Já não descia o Pai - Natal pela chaminé como nas memórias
dos tempos de antanho
Era um coração oposto ao mundo como diria o Pessoa
Há noites da alma que nem a noite de Natal consegue iluminar.
Helena Campos
Desde os primórdios do tempo, quando o principio era o verbo
e o verbo era a luz, estava marcado que em certa noite, a estrela maior
surgiria refulgente sobre a cidade de David e conduziria três reis à encarnação
de Deus feito Homem, o tão aguardado Messias, que traria a Boa Nova aos povos e
a salvação à Humanidade.
A estrela ensonada, porém, perdeu-se no firmamento e pontilhou
sobre vários pontos do planeta , hesitante sobre em que ponto deveria
reverberar.
Mas afinal onde nasceria o Messias que ela deveria sinalizar
com um banho de luz?
Foi numa estrada deserta, algures na Ásia menor, a norte do
velho Nilo, a oeste das imponentes pirâmides, que localizou três homens
trajados com faustosas roupas e imponentes coroas, montados em camelos, numa
grande altercação por causa de um nome.
Que se chamava Melchior, não, que era Belchior, porque
Melchior não constava do dicionário, que já o grande Homero dizia que não, que
até remontava à República de Platão e figurava na ardida Biblioteca de
Alexandria.
Que não interessava como é que se chamava, interessava que
encontrassem a estrela que os dirigisse à encarnação do Messias, esse sim acima
de todos os outros.
Um pobre pastor, assombrado com tamanha discussão entre tão
nobres viajantes, simplesmente apontou a estrela aos reis e a apontou a
manjedoura à estrela e esta pode finalmente iluminar a noite mais bela da
História e os reis ajoelharam-se comovidos diante de Deus feito Homem na
candura de um menino.
Helena Campos
Olhou em volta, franziu o sobrolho e pensou com os seus botões “mas
porque é que eu ainda me meto nisto? É sempre a mesma coisa…” A fila para a
caixa era gigantesca e as pessoas estavam como que sob o efeito de drogas, de
olhos brilhantes, esgazeadas, com os seus carros a abarrotar de bacalhau, de
bolo-rei e de outras tantas iguarias. “Véspera de Natal e eu no supermercado…
Mas que burro ! É que todos os anos é a mesma coisa. Eu quero lá saber do Pai
Natal e das suas barbas brancas, dos Reis Magos ou do Menino Jesus. Só quero
que este dia acabe, para eu me sentar em paz, em frente à lareira e tentar
esquecer que é Natal” .
Rute Gonçalves
Rute Gonçalves
História de Baltazar
- Mas ainda falta muito para chegar? Ò Belchior tu disseste que se
chegava lá num instante…
Belchior olhou para trás e sorriu – está quase – e apontou para a
estrela que vinham a seguir há já vários dias. Baltazar abanou a cabeça,
incrédulo. Estava montado em cina do camelo há tanto tempo, a dormir mal, a
comer mal, a cheirar mal, e ainda por cima tinha de carregar a mirra. Já lhe
doía tudo e, mais a mais, já não ia para novo.
-Mas quem é esta criança para termos de fazer este sacrifício todo?
- É um Príncipe – respondeu Gaspar.
“Pronto, então se é um Príncipe é capaz de valer a pena – pensou
Baltazar. Certamente quando lá chegarmos termos um bela cama no palácio, uma
farta refeição à nossa espera e, quem sabe, uma recompensa em ouro”. Animou-se
com este pensamento e continuou. Depois de vários dias e várias noites de
caminho, finalmente chegaram ao seu destino. Pararam em frente a um estábulo
despido, gelado, com um burro e uma vaca escanzelados e um casal com ar de
fome. Na manjedoura estava uma criança, nua sob uma coberta esfarrapada.
Rute Gonçalves
História de Gaspar
Na noite tão fria
Trazendo no peito um júbilo intenso
E pensando em Jesus, sem medo, sorria
E sonhava acordado em dar-lhe o incenso.
Rute Gonçalves
José
Há 25 dias
que decorria o último mês do ano, mas já andavam em viagem há quase outros
tantos. Raio de mês que escolheram para isto, pensava José. Belém era
particularmente fria nesta altura do ano. José enfiou o barrete mais fundo na
cabeça, não tanto para afastar o frio, mas como se se estivesse a punir por
toda esta história em que involuntariamente se viu metido.
Maria
tentava dormir, apesar das dores que se faziam sentir cada vez mais fortes e
menos espaçadas. A última vela ardia indiferente a todo este cenário e em breve
ficariam às escuras. Só um milagre o poderia animar.
Francisco Feio
A vaca
Matilde
olhava à sua volta a morder displicentemente uma palha seca, já que o tempo não
estava para ir lá fora procurar algo mais interessante para comer. Com a
azáfama dos últimos dias, ninguém prestava atenção a uma simples vaca, embora a
casa fosse dela e eles terem irrompido por ali dentro como se fosse tudo deles.
Ainda assim, não os criticava já que a vida social num estábulo de Belém não
era propriamente uma primeira escolha para ninguém. Por isso, ter uma festa
desta dimensão em casa era um acontecimento que lhe animava o espírito e punha
a sua casa na boca do mundo. Mais uma ruminadela e o encanto esmoreceu quando
percebeu que a realeza desapareceria tão depressa quanto tinha chegado, o casal
levaria a criança, a estrela deixaria de estrelar e o estábulo voltaria ao
encanto que têm os estábulos que, como se sabe, não interessam nem à vaca do
presépio.
Francisco Feio
Maria em três Haikus
Manhã
anunciada
Um anjo mudo
Uma criança
no ventre
Uma trombeta
no céu
Folha caída
O ato
consumado
Do anjo
mensageiro
À dor do
choro
O filho de
deus homem
Francisco Feio
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