26.10.19

PIRATARIA II




Sessão: 26 Outubro
TEMA: PIRATARIA´
Intertexto, pastiche, homenagens. Escrever a partir dos textos de outros.

Parte II: Plágio
Na segunda parte da sessão, a proposta foi escrever um texto com o título «O Plágio»


Kalypso

Baudrillard dizia que na era do ciberespaço tudo é cópia; não há originais. É como um jogo de espelhos em que tudo se reflete até ao infinito.

Quando acordou naquela manhã, Kalypso pensou estar nas cenas finais da Dama de Xangai. Para qualquer lado que se virasse, era a ela que via, de pé, a olhar para si própria. O pesadelo adensou-se na rua. Todas as pessoas com que se cruzava eram ela. Numa cidade como a sua, existiam agora 12 milhões de ela própria. Teve uma tontura profunda e colapsou com este pensamento. Numa cidade desta dimensão, nunca se fez tamanho silêncio.
Francisco Feio


O nosso Amor é como um plágio:
O que eu sinto és tu que dizes,
O que eu digo és tu que constróis.
E nunca tem fim esta imitação: há sempre um caminho que nos encontra antes de nos perdermos na noite.
O nosso tempo é como um espelho:
O teu reflexo imitando a vida
E as minhas mãos sempre frias, cortadas pelo vidro.
É certo que no fim deste dia de Outubro
Não sei quem plagia quem: se eu a ti, se tu a mim
Ou se o Amor a nós os dois.
Rute Gonçalves



Vitória e Joana desceram a Avenida Casal Ribeiro, na direção da Estefânia, em busca da paragem do autocarro 767 que levaria a primeira até ao Campo Grande.
Joana comentava o filme que tinham visto no Monumental: As Pontes de Madison County.
— Tu viste aquela ponte de madeira, Vitória? Muito gira! E os atores vão tão bem. Que história emocionante! — E, de voz embargada, desatou a soluçar compulsivamente, até à chegada do transporte da amiga.
Vitória, sempre serena, não emitiu palavra nem fez qualquer gesto em direção da afligida. Limitou-se a percorrer o rebordo do passeio, imitando os passos de passerelle dados por Meryl Streep, à beira da ponte, numa cena do filme.

Joana não teve outro remédio senão sofrer sozinha a sua dor inconfessada. Não deixou, porém, de recordar, de um flash, como a mesma Vitória, dias após terem ido ao cinema ver o filme A Casa da Rússia, exibira exatamente o mesmo penteado que Michelle Pfeiffer. Dois plágios perfeitos.
Lídia Vieira



Eu não plagio, apenas parto de um autor e chego a outro, como bóias no mar revolto dos pensamentos, mar que chega à praia surfando nas ideias e morre na areia compondo um crochet de palavras.
                                                                                                                                   Helena Campos



Sentia uma febre do tamanho de quatro homens encapuzados. Já não suportava o contacto do veludo à volta do pescoço - era tecido ou era pele? Ela voltou com a garrafa de champanhe e o colar de pérolas de fogo que não ardiam.
- Toma mais – disse, como se oferecesse um pouco da sua dor.
Todos os dias declarava a guerra, todos os dias perdia a guerra. Tomou mais um pouco do veneno e voltou a cair no abismo.
                                                                                                                                          Cristina Borges

(imagem: unsplash.com)

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